segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Negros

Poema Negrode

Para iludir minha desgraça, estudo.Intimamente sei que não me iludo.Para onde vou (o mundo inteiro o nota)Nos meus olhares fúnebres, carregoA indiferença estúpida de um cegoE o ar indolente de um chinês idiota!
A passagem dos séculos me assombra.Para onde irá correndo minha sombraNesse cavalo de eletricidade?!Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:- Quem sou? Para onde vou? Qual minha[origem?E parece-me um sonho a realidade.
Em vão com o grito do meu peito impreco!Dos brados meus ouvindo apenas o eco,Eu torço os braços numa angústia doudaE muita vez, à meia-noite, rioSinistramente, vendo o verme frioQue dá de comer a minha carne toda!
É a Morte - esta carnívora assanhada -Serpente má de língua envenenadaQue tudo que acha no caminho, come…- Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,Sai para assassinar o mundo inteiro,E o mundo inteiro não lhe mata a fome!
Nesta sombria análise das cousas,Corro. Arranco os cadáveres das lousasE as suas partes podres examino…Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,Na podridão daquele embrulho hediondoReconheço assombrado o meu Destino!
Surpreendo-me, sozinho, numa cova.Então meu desvario se renova…Como que, abrindo todos os jazigos,A Morte, em trajes pretos e amarelos,Levanta contra mim grandes cutelosE as baionetas dos dragões antigos!
E quando vi que aquilo vinha vindoEu fui caindo como um sol caindoDe declínio em declínio; e de declínioEm declínio, com a gula de uma fera,Quis ver o que era, e quando vi o que era,Vi que era pó, vi que era esterquilínio!
Chegou a tua vez, oh! Natureza!Eu desafio agora essa grandeza,Perante a qual meus olhos se extasiam…Eu desafio, desta cova escura,No histerismo danado da torturaTodos os monstros que os teus peitos criam.
Tu não és minha mãe, velha nefasta!Com o teu chicote frio de madrastaTu me açoitaste vinte e duas vezes…Por tua causa apodreci nas cruzes,Em que pregas os filhos que produzesDurante os desgraçados nove meses!
Semeadora terrível de defuntos,Contra a agressão dos teus contrastes juntosA besta, que em mim dorme, acorda em berros;Acorda, e após gritar a última injúria,Chocalha os dentes com medonha fúriaComo se fosse o atrito de dois ferros!
Pois bem! Chegou minha hora de vingança.Tu mataste o meu tempo de criançaE de segunda-feira até domingo,Amarrado no horror de tua rede,Deste-me fogo quando eu tinha sede…Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!
Súbito outra visão negra me espanta!Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.A treva invade o obscuro orbe terrestre.No Vaticano, em grupos prosternados,Com as longas fardas rubras, os soldadosGuardam o corpo do Divino Mestre.
Como as estalactites da caverna,Cai no silêncio da Cidade EternaA água da chuva em largos fios grossos…De Jesus Cristo resta unicamenteUm esqueleto; e a gente, vendo-o, a genteSente vontade de abraçar-lhe os ossos!
Não há ninguém na estrada da Ripetta.Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,As luzes funerais arquejam fracas…O vento entoa cânticos de morte.Roma estremece! Além, num rumor forte,Recomeça o barulho das matracas.
A desagregação da minha IdéiaAumenta. Como as chagas da morféiaO medo, o desalento e o desconfortoParalisam-me os círculos motores.Na Eternidade, os ventos gemedoresEstão dizendo que Jesus é morto!
Não! Jesus não morreu! Vive na serraDa Borborema, no ar de minha terra,Na molécula e no átomo… ResumeA espiritualidade da matériaE ele é que embala o corpo da misériaE faz da cloaca uma urna de perfume.
Na agonia de tantos pesadelosUma dor bruta puxa-me os cabelos.Desperto. É tão vazia a minha vida!No pensamento desconexo e falhoTrago as cartas confusas de um baralhoE um pedaço de cera derretida!
Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.Eu, somente eu, com a minha dor enormeOs olhos ensangüento na vigília!E observo, enquanto o horror me corta a fala,O aspecto sepulcral da austera salaE a impassibilidade da mobília.
Meu coração, como um cristal, se quebre;O termômetro negue minha febre,Torne-se gelo o sangue que me abrasa,E eu me converta na cegonha tristeQue das ruínas duma casa assisteAo desmoronamento de outra casa!
Ao terminar este sentido poemaOnde vazei a minha dor supremaTenho os olhos em lágrimas imersos…Rola-me na cabeça o cérebro oco.Por ventura, meu Deus, estarei louco?!Daqui por diante não farei mais versos.

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