quarta-feira, 8 de outubro de 2008

" Poesia Africana "
Tão pouco sabemos sobre nossos irmãos portugueses da África. Ainda recentemente, uma inteligente leitora de Benguela, com quem me correspondo, Ana Maria Coelho, jornalista e poetisa, observava de modo pitoresco: “De Angola é uma pena: dir-se-ia que seus poetas não sabem cantar outra coisa que não seja a meninice, as figuras que se habituaram a ver, o capim, as mulatas”. Afinal, por que o tom restritivo? Os poetas angolanos utilizam-se praticamente de todos os temas: a meninice (a infância); as figuras que se habituaram a ver (o seu mundo ao redor); o capim (a paisagem); as mulatas (a mulher o amor). Encontrei ainda, em sua poesia, aquele sopro literário e social que é uma característica do espírito de todo continente negro, rompendo seus grilhões colonialistas. No volume I I da minha antologia “Os mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou” (poesia universal), incluí uns poucos poetas de Angola e Moçambique, fixando a face lírica da poesia africana. Pena é que seus poetas não se sirvam muito da velha e eterna forma clássica da poesia: o soneto. O que é natural. Para seu canto novo, impregnado de ânsias nativistas, teriam que preferir os versos livres, polimétricos. O soneto - pequena taça - parece feito para os momentos felizes, tranqüilos, para os brindes de puro amor. Nas horas duras, nos momentos difíceis de ânsias e revoltas, de apelos e esperanças coletivas, quandoa alma jorra em torrentes, o canto tem que ser amplo, profundo, e os poetas se desdobram e mudam o tom, são dramáticos, são épicos. Muito raramente, infelizmente, chegam até nós as ressonâncias literária do continente negro. Apenas os ecos de lutas políticas e de libertação, sangrentas, mas que atestam a fermentação intelectual de seus jovens povos. Não há luta para a liberdade sem lideranças e não há lideranças, no sentido moderno, sem desenvolvimento intelectual. E, nas suas lutas - a África vem confirmando mais uma vez, - os poetas têm função de vanguarda. Aí estão dois nomes, dois símbolos: Lumumba e Senghor. Sem estar propriamente engajada na luta anti-colonista, nem por isso a África portuguesa deixa de refletir, principalmente através dos seus poetas negros, os ideais de libertação de todo o continente. Alfredo Margarido, em“20 Poemas com estribilho Cabinda”, reaviva o quadro:“Eles desembarcaram a centenas de anosvindos do grande mar opressor, e criaramas cidades densas e populosas onde meus irmãostrabalham nas docas, nas casas, nas oficinasnos escritórios, onde o canto sombrio das ondaspropõe um coro de danças entre reco-recos e tambores.” Alda Lara, sem livro publicado, recentemente falecida, uma das vozes mais fortes do lirismo ultramarinho, não foge ao culto à mãe-África. Tendo vivido algum tempo em Lisboa, confessa ao retornar:“Terra! Ainda sou a mesma!Ainda soua que num canto novopuro e livre,me levantoao aceno do teu povo!” Outra poetisa, Amélia Veiga, autora de “Destinos” e “Poemas”, com lindos versos de amor:“Tocar-teseria pouco para a minha fome.Despi-me de solidões e fiquei nua,pura como a luapara a noite longadas revelações...”Ela também recebe no rosto as lufadas fortes do “Vento da Liberdade”: “Das entranhas da terrairrompe um vento alucinadoque varre... varre... varre...as folhas secas do mundo...” Eduardo Teófilo, no Primeiro Livro das Horas, em Hora da Luta, está alerta“Há galos esperando para cantar o diaquando a madrugada chegar.” Antônio Jacinto, poeta negro, de quem recebi há anos uma linda carta, solidária com o meu Estrela da Terra e cuja resposta incluí em Harpa Submersa, toma posição em seu Canto Interior de uma Noite Fantástica:“Sereno, mas resolutoaqui estou - eu mesmo! - gritando desvairadoque há um fim por que lutoe que me impede de passar ao outro lado.” E, do seu lado, encontra-se também A. Cardoso, num canto viril:“É inútil mesmo chorarse choramos aceitamos,e é preciso não aceitar.” Mas o amor - tema universal, o mais velho e o mais difícil - está presente nos poetas negros ou brancos da África portuguesa. Tomás Jorge, filho de Tomás Vieira da Cruz, “o maior poeta angolano”, amacia a voz:
“Hoje não trago nada para dizer,sossega o teu rosto no meu peitorepousa em mim tua tristeza.”Orlando de Albuquerque, entre tantas reminiscências da infância em Lourenço Marques, em cidade do Índico, diz com graça extrema:“Um dia ela me disse:põe aqui tua mão!Eu pus e senti uma beleza rija,um seio de mulher...Foi desde aíque minhas mãos ganharam este jeito em conchade afagar...” (“Iniciação”) E encerrarei esta mostra rapidíssima da poesia africana com citações de dois grandes poetas, um de Angola, branco, Tomás Vieira da Cruz, que recebeu em 1938 o título de Príncipe dos Poetas Portugueses; outro, negro, de Moçambique, Rui Noronha, considerado o precursor da poesia moderna em sua pátria. Do primeiro, uma simples trovinha, que corre de boca em boca:“Os teus defeitos são graçasque mais me prendem, querida,mistério de duas raçasque se encontraram na vida...” Do segundo, o final de um belo soneto, Grito de Alma, retirado do seu livro Sonetos, onde invectiva ou lamenta o seu amor branco:“Cruel destino o meu que ao meu destino trouxena fulgurante luz do teu olhar tão docea mágoa minha, eterna, a minha eterna dor.Vai, segue o teu destino. A onda quere-te e passa...Vai com ela cantar o orgulho de tua raçaque eu ficarei cantando o nosso eterno amor...” As poesias sem indicação bibliográfica foram retiradas na Antologia Poética Angolana, de Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme, Coleção Imbondeiro, edições de Sá da Bandeira, Angola, África Ocidental Portuguesa, e dos suplementos literários Artes e Letras, do jornal ABC-Diário de Angola.

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